Introdução
Imagina a seguinte situação: você está em uma reunião, seja no home office ou presencialmente, é aquele ambiente onde o café esfria enquanto todos discutem os próximos "grandes projetos de IA" da empresa. O CEO pergunta: "Quando nossos modelos de ML vão estar rodando em produção?".
Silêncio constrangedor.
Olhares perdidos.
Alguém sussurra: "Estamos trabalhando nisso..."
Se essa cena te parece familiar, você não está sozinho. Segundo uma matéria da VentureBeat, 87% dos projetos de ciência de dados nunca chegam à produção. É como ter um Mercedes AMG one na garagem, mas sem chave para ligá-lo (sim, eu adoro carros).
O Problema Real: Modelos Órfãos e Caos Operacional
Vamos ser diretos: a maioria das empresas trata machine learning como se fosse mágica. Contratam cientistas de dados brilhantes, compram as melhores ferramentas, investem em infraestrutura robusta e... os modelos ficam eternamente "quase prontos" para produção.
O problema não é técnico. É sistêmico.
Os sintomas são sempre os mesmos:
Modelos funcionando perfeitamente no Jupyter Notebook, mas que "quebram" quando tentam subir para produção
Cientistas de dados trabalhando isolados, sem comunicação com as equipes de desenvolvimento e de operações
Falta de padronização: cada modelo é um projeto único, com sua própria infraestrutura
Ausência de monitoramento: ninguém sabe se o modelo está performando bem após o deploy
Governança inexistente: modelos "soltos" pela empresa, sem documentação ou rastreabilidade
Resultado? Projetos que custam milhões, demoram meses para serem desenvolvidos e nunca geram valor real para o negócio.
MLOps Como Disciplina, Não Como Buzzword
Elevar a maturidade de MLOps é um ponto estratégico para a sustentabilidade das organizações que incorporam ML em seus processos e soluções. Com a crescente dependência e demanda por mais modelos de ML, a eficácia na gestão e operação desses modelos é crucial para a continuidade operacional e o sucesso comercial a longo prazo.
Aumentar a maturidade de MLOps significa não apenas otimizar a eficiência operacional, reduzindo custos e aumentando a agilidade no desenvolvimento e implantação de novos modelos, mas também assegurar a confiabilidade, transparência e ética em todas as fases do ciclo de vida do modelo. Principalmente em um cenário no qual governos do mundo inteiro estão tendo um esforço para regulamentar IAs.
Em cenário de grandes e rápidas mudanças, atingir níveis mais elevados de maturidade de MLOps garante que as organizações possam antecipar e mitigar proativamente riscos potenciais, sendo capazes de se adaptar a essas mudanças que podem ser caráter de mercado ou regulatório. Independentemente do caráter da mudança, possuir uma maturidade elevada de MLOps trás segurança e uma adaptação com menos atrito frente aos desafios apresentados.
Em resumo, elevar a maturidade de MLOps não é apenas um meio de maximizar a eficácia de ML, mas uma estratégia fundamental para garantir a sustentabilidade, resiliência e liderança competitiva das organizações em um cenário empresarial cada vez mais competitivo e impulsionado por dados.
Como medir a maturidade de MLOps?
MLOps não é apenas "DevOps para Machine Learning". É uma disciplina completa que integra pessoas, processos e tecnologia para tornar o ciclo de vida de modelos de ML previsível, escalável e confiável.
Pense assim: se DevOps resolveu o problema de "funciona na minha máquina" para aplicações tradicionais, MLOps resolve o problema de "funciona no meu notebook" para modelos de ML.
Dessa forma, se faz necessário ter uma forma pragmática de mensurar a maturidade de MLOps no ambiente corporativo. Para atingir esse objetivo estou propondo a aplicação de um checklist de maturidade de MLOps.
O objetivo do checklist
O checklist propõe 8 níveis de maturidade, são eles: Inicial; Gerenciamento básico de ML; Automação de Build e Deploy; Monitoramento de modelos e dados; Automação de Treinamento; MLOps Reativo; MLOps Prescritivo; Governança e Ética; Colaboração e Compartilhamento. Mais a frente haverá sessões que descrevem cada um dos níveis propostos.
Cada um dos níveis compreende uma frente necessária para termos um ambiente de MLOps consistente, confiável e escalável. Em um primeiro momento, podemos acreditar que os níveis são como degraus em uma escada, porém, a realidade, geralmente, não se apresenta dessa forma.
Sendo assim, é possível que uma determinada organização possua alguns itens dos níveis mais altos e ao mesmo tempo não possua o nível mais inicial. Dessa forma, puxando o nível de maturidade da organização para baixo, mas ao mesmo tempo identificando pontos fracos a serem melhorados dentro do contexto da organização.
Vale ressaltar que esse checklist não é para ser levado como uma competição e nem que o nível mais alto proposto por esse checklist significa que o trabalho acabou, mas ele deve ser usado como um guia para que a gestão da empresa possua uma visão clara da motivação e importância dos artefatos gerados pelo time técnico.
Como utilizar o checklist
Utilizando o checklist proposto, é possível saber o nível de maturidade de MLOps da sua organização se ela cumprir com todos os itens de um determinado nível proposto no checklist mais todos os itens dos níveis anteriores.
Por exemplo, para atingir o nível de maturidade 1 é necessário ter todos os itens do nível 1 aplicados mais todos do nível 0. E assim sucessivamente.
Os níveis de maturidade de MLOps
Inicial
O nível inicial identifica se a organização possui uma visão clara de como utilizar ML dentro do contexto de negócio da empresa e propõe que exista um roadmap para a implantação de modelos de ML na empresa. Identificando assim a vontade da organização em utilizar ML para impulsionar seu negócio.
Por vezes, já existe algum time que, de forma independente, tenha implementado um modelo de ML. Dessa forma, o nível inicial também propõe que esses modelos sejam mapeados trazendo luz para possíveis integrações que serão realizadas no futuro do modelo com a plataforma de MLOps.
Gerenciamento básico de ML
O nível 1 de maturidade assume que já existem modelos de ML deployados em produção em um cenário estável, porém manual. Sendo assim, assume que os modelos possuem uma documentação básica que pode conter informações desde a área de negócio que atende até aspectos técnicos utilizados para gerar o modelo.
Nesse nível, já se assume também que os cientistas de dados utilizam práticas básicas de engenharia de software, como versionamento na construção de seus modelos.
Automação de Build e Deploy
O nível 2 identifica a aplicação de práticas básicas de DevOps para potencializar o impacto que os modelos de ML possuem no negócio da empresa.
No nível anterior é proposto que os modelos sejam versionados, não especificando como. Dessa forma, eles podem ser versionados na máquina de alguém, em algum sistema de armazenamento em nuvem, como o AWS S3, GCP Cloud Storage, Google Drive, etc. Porém, no nível 2 a régua sobe e é mandatório o uso de um sistema formal de versionando, por exemplo, o Git.
Visto que já é proposto o uso de um sistema de versionamento formal, esse nível também compreende o uso de pipelines automatizados de CI/CD. Dessa forma, já garantindo um ganho substancial em escala de deploy de modelos de ML.
Monitoramento de modelos e dados
No nível 3 de maturidade já é proposto uma evolução dos processos básicos de DevOps, implantados no nível anterior. Dessa forma, já garantindo soluções para monitoramento operacional dos modelos, dessa forma gerando um movimento de padronização da infraestrutura na qual os modelos estão deployados.
Ou seja, todos os modelos serão deployados dentro da mesma infraestrutura ao invés de existir um pipeline customizado para cada modelo. Dando início ao movimento de plataformização de MLOps na organização.
Outro ponto importante nesse nível, é a preocupação dos cientistas de dados quanto ao monitoramento de performance do modelo. Diferente do monitoramento operacional, o monitoramento de performance se debruça em métricas como ROCAUC, precisão, f1 score, dentre outras, assim como em métricas de negócio e identificação de data drift. Dessa forma, garantindo que o modelo ainda performa bem frente a constante mudança nos cenários de negócio.
Automação de Treinamento
O nível 4 de maturidade tem como ponto alvo melhorar e garantir alicerce para os níveis subsequentes. Ele tem como objetivo garantir um padrão automatizado para treinamento dos modelos, ou seja, caso o código relacionado ao treinamento do modelo mude esse nível espera que exista um processo de integração contínua para esse código.
Da mesma forma que também é esperado que exista uma forma de realizar o registro dos artefatos relacionados ao modelo, como os dados utilizados para o treinamento daquela versão do modelo, garantindo replicabilidade.
MLOps Reativo
No nível 5 já é entendido que a organização possui processos definidos de MLOps. Sendo assim, esse quinto nível abre mão do alicerce construído nos níveis anteriores propondo criar automações para os processos mais manuais já desenvolvidos.
Esse nível é chamado de MLOps reativo, visto que a partir das automações criadas é possível fazer com que haja o retreino de um modelo a partir de alguma métrica de performance, por exemplo. Dessa forma, fazendo com que a plataforma reaja aos diferentes cenários de negócio que a empresa pode enfrentar sem intervenção humana.
MLOps Prescritivo
O nível 6 tem como objetivo iniciar o uso de práticas prescritivas de MLOps que compreende a capacidade de definir e implementar diretrizes, políticas e automações que orientam o comportamento do sistema de ML de maneira proativa.
Alguns exemplos de práticas prescritivas de MLOps incluem: Recuperação automática de falhas; Estratégias de rollback e roll forward automatizadas; Análise de impacto antecipada; Monitoramento preditivo; dentre outras.
Dentro desse nível, só está contemplado a estratégia de rollback e roll forward automatizada como requisito para se atingir o nível 6 de maturidade. Por outro lado, dependendo do contexto de cada organização, pode se fazer necessário adotar outras práticas mais complexas.
Governança e Ética
O nível 7 de maturidade entende que o ambiente de ML e MLOps da empresa já é bem maduro, porém, para dar visibilidade a gestão e a toda a empresa se faz necessário ter uma camada de governança que seja transparente e aberta.
Dessa forma, esse nível propõe que existam ferramentas internas que tornem simples a busca pelos modelos de ML deployados no ecossistema da organização da mesma que exponha metadados de cada modelo de forma que seja fácil rastrear a área responsável pelo modelo, o desenvolvedor, a versão do modelo que está em produção, os dados utilizados no treinamento, dentre outras informações que a empresa julgar importante ter transparência com todas as áreas.
Outro ponto importante nesse nível é uma documentação abrangente sobre o modelo, que deve contemplar decisões técnicas, de negócio, assim como ter um plano para evolução do modelo ao longo do tempo.
Colaboração e Compartilhamento
No último nível de maturidade de MLOps, é proposto uma mudança cultural de forma a serem adotadas ferramentas que proporcionem o compartilhamento de documentação e informação entre os diferentes squads da empresa, a unificação dos processos de DevOps e MLOps, sendo cada um aprendendo com os erros e acertos um do outro, criação de eventos recorrentes e específicos da área de dados e operações para compartilhamento de sucessos, aprendizados e ferramentas. Sendo assim, fazendo com o time de MLOps evangelize e divulgue a plataforma construída alavancando cada vez mais o negócio da empresa reutilizando os componentes já criados.
Importante ressaltar que esse último nível, por fundamentalmente propor uma mudança cultural, cada organização tem a sua realidade e alguns pontos propostos podem não se adequar. Por outro lado, outros podem ser muito mais exequíveis, o importante é gerar uma cultura de colaboração entre os diferentes squads da empresa.
O checklist
Nível 0 - Inicial:
Existe a vontade de utilizar ML para melhoria de processos e/ou alavancar o negócio da organização.
Oportunidades para aplicar ML já foram identificadas e/ou já foram identificados modelos "soltos" pela empresa.
Existe um roadmap para construção dos modelos de ML.
Nível 1 - Gerenciamento básico de ML:
Existe uma compreensão básica dos modelos em produção.
Os modelos são versionados.
Há documentação básica para os modelos.
Nível 2 - Automação de Build e Deploy:
Os modelos são versionados utilizando um sistema formal (Ex: Git).
Implementação de práticas de CI/CD (Continuous Integration/Continuous Deployment) para modelos.
Nível 3 - Monitoramento de modelos e dados:
Existe monitoramento operacional dos modelos.
Existe monitoramento manual ou não padronizado de performance dos modelos.
Existe monitoramento manual ou não padronizado de data drift para os dados de input e output do modelo.
Nível 4 - Automação de Treinamento:
Utilização de pipelines de treinamento automatizados.
Os dados de treinamento são rastreados, versionados.
Integração contínua totalmente implementada no treinamento de modelos.
Os experimentos e seus respectivos artefatos são versionados.
Nível 5 - MLOps Reativo:
Performance dos modelos é calculada periódicamente ou através de triggers.
Os modelos são retreinados automaticamente com base em métricas de data drift ou em de performance.
A gestão de configuração é aplicada consistentemente.
São realizadas auditorias sobre os artefatos gerados nos experimentos.
Nível 6 - MLOps Prescritivo:
Implementação de práticas prescritivas com base em análises de dados e desempenho do modelo.
Estratégias de rollbacks e roll-forwards automatizadas em caso de falhas.
Nível 7 - Governança e Ética:
Implementação de políticas de governança de dados e modelos.
No processo de deploy do modelo existe uma etapa que faz o log de metadados do modelo em uma ferramenta centralizadora, garantindo a rastreabilidade e governança dos modelos em produção.
São realizadas auditorias regulares para garantir conformidade e ética no uso de modelos.
Há documentação completa sobre a origem dos dados e decisões de modelos.
Nível 8 - Colaboração e Compartilhamento:
Ferramentas colaborativas são usadas para facilitar o trabalho conjunto entre equipes de dados, desenvolvimento e operações.
Existe um repositório central para compartilhamento de códigos, modelos e recursos.
Práticas de DevOps são totalmente integradas com as práticas de MLOps.
Existem eventos internos recorrentes e abertos para toda a organização com objetivo de compartilhar aprendizados de projetos de ciência de dados, engenharia de dados e MLOps.
Como usar este framework (sem enlouquecer)
Primeiro, esqueça a ideia de que precisa implementar tudo de uma vez. Esse não é um videogame onde você precisa "zerar" todos os níveis em sequência.
Passo 1: Faça um Diagnóstico Honesto
Sente com sua equipe e avalie onde vocês estão hoje. Pode ser que tenham alguns elementos do nível 3, mas ainda faltem itens do nível 1. Isso é normal.
Passo 2: Identifique o Gargalo Principal
Qual é o maior problema que vocês enfrentam hoje? Deploy manual? Falta de monitoramento? Modelos que "quebram" em produção? Foque nisso primeiro.
Passo 3: Implemente por Ondas
Escolha 3-4 itens mais críticos e implemente primeiro. Depois, parta para os próximos. Roma não foi construída em um dia, e seu ambiente de MLOps também não será.
Passo 4: Meça o Progresso
Use métricas concretas:
Tempo médio para deploy de um modelo
Número de modelos em produção
Tempo de detecção de problemas
Taxa de sucesso dos deploys
O retorno do investimento
Implementar MLOps não é gasto, é investimento. Cada caso é um caso e os números cada organização deverá medir o próprio. Mas, aqui vão alguns custos que podem ser minimizados com a implantação de MLOps:
Redução no tempo de deploy de modelos. Com deploys automatizados através de esteiras de CI/CD. Menos interação manual significa menor custo de mão de obra
Diminuição de incidentes relacionados a modelos em produção. Uma vez com o ambiente monitorado, é possível mitigar possíveis problemas de forma pró-ativa, minimizando o downtime dos sistemas de ML.
Aumento na velocidade de desenvolvimento de novos modelos. Com a construção e utilização de automações, os modelos podem ser desenvolvidos mais rapidamente e, consequentemente, trazer mais rápido para o negócio.
Redução de no custo de manutenção de modelos. Uma vez com triggers de retreino automáticos ou alertas para verificações pró-ativas, já se saberá como e onde atuar em caso de uma manutenção.
Mais importante: seus modelos finalmente começam a gerar valor real para o negócio.
Conclusão
Enquanto 87% das empresas lutam para colocar seus modelos em produção, você pode estar no seleto grupo dos 13% que transformam investimento em IA em resultados reais.
MLOps não é sobre tecnologia. É sobre transformar ciência de dados em impacto de negócio.
É sobre sair da promessa e partir para a entrega.
É sobre construir sistemas que funcionam não apenas hoje, mas que se adaptam e evoluem com seu negócio.

